UM OLHAR FORA DO EIXO[1]
No Período 10 a 13 de julho, realizou-se em Brasília/DF o VI Encontro Nacional de Adolescentes e Jovens vivendo com HIV/AIDS – ENAJVHA, evento que reuniu jovens soropositivos e convivendo[2] com HIV/AIDS de diversas partes do Brasil “para a interlocução, troca e avaliação de experiências entre jovens vivendo com HIV e AIDS”[3]. Também com o propósito de ser “um momento em que os jovens pudessem descobrir possibilidades de atuação frente aos desafios locais, conhecer e se articular com outros jovens e com as redes já existentes de luta contra a epidemia”[4].
Entretanto, mais uma vez, a teoria não conseguiu ser posta em prática e um momento que poderia ser “com” foi somente “para”, na contramão tanto do objetivo do encontro, como da Carta de Princípios da RNAJVHA[5].
Subsidiado por diversas formas de marketing e financiamento, a verticalização na construção do Encontro, centralizou as escolhas para a Comissão Organizadora, excluindo sistematicamente algumas pessoas, colocando-as à margem da história e da própria existência enquanto integrantes da RNAJVHA. Não havia uma resposta plausível que justificasse o motivo de deixarem de fora da organização, as referências da RNAJVHA no CONJUVE e na CNAIDS, além do representante amazônico (e que também não estava como delegado no Encontro até ser incluído mediante a sugestão no regimento interno). Assim como até hoje não se sabe o motivo dos amigos pessoais do ex-representante nacional assumirem funções que, conforme critério de filiação da Rede não os competia por serem adultos e convivendo.
Houve ausência de materiais preparatórios que pudessem, desde os meios virtuais até o presencial, oferecer elementos para a plenária “elaborar e incitar respostas, ações e políticas públicas contra os estigmas e impactos do HIV e AIDS”[6]. Além disso, ficou notório que as dinâmicas postas no e-group e grupo da Rede no facebook tenha surtido o efeito no Encontro Nacional. O acolhimento tinha virado o ópio da política e o cuidado tornou-se mais ameaça que bem-querer. Parei e fiquei observando o quanto fez-nos falta nas manhãs, aqueles momentos regado de poesia, música ou uma dança circular... O ditado popular “colocar o carro na frente dos bois” teve muito haver com o colocar um fórum de debate antes da mesa de abertura. Iniciar uma discussão sem boas-vindas? Sim! Seria um risco a integração!
No ato do credenciamento, o primeiro desconforto aos participantes: ter que assinar alguns recibos que foram entregues sem orientação alguma, mas quando questionados, disseram ser ora do UNICEF (ainda que o documento estivesse sem nenhuma logomarca desta agência), ora do Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais. Interessante que ambos ao serem consultados, afirmaram desconhecer esta solicitação. Neste meio onde uma parte ficava assustada e sem uma resposta transparente que lhe desse a confiança, houve quem se aproveitou disso para descaracterizar pessoas, simplesmente por quererem saber algo legítimo e que lhes era de direito.
Fóruns foram reduzidos para priorizar a votação do regimento interno. Durante a leitura, um dos primeiros vetos estava na proposta do debate acerca da organização da RNAJVHA, demostrando certa indisposição para tratar do assunto. Desde então, notou-se que as possibilidades de diálogo estavam comprometidas por interesses ou presas por algo concedido. Havia uma sintonia entre @s que tinham sido indicad@s anteriormente a algum evento com os que votavam a favor de um grupo específico.
Não há como deixar de perceber a diferença entre as devolutivas dos representantes da CNAIDS e do CONJUVE, para a representação do nacional. Enquanto estes pautaram a partir da qualidade, o último tratou por números, como se estivéssemos fazendo prestação de contas governamentais. Não é do conhecimento coletivo no que as inúmeras participações em congressos, reuniões e outras atividades trouxeram de concreto para a Rede, assim como sobre a transparência dos recursos financeiros captados para o trabalho da RNAJVHA.
Tornou-se perceptível que muit@s presentes estivessem ali para uma estratégia não mais oculta há muito tempo: a escolha da nova representante da RNAJVHA. No grupo da RNAJVHA no facebook, alguns perfis contendo na imagem a hashtag #AgoraéEla[7] já apontava o caráter eleitoreiro que nos esperava com adesivos e vídeos publicados na internet. Aliás, a própria eleição d@s nov@s representações fez parte de um processo que perpassou por grande parte dos Encontros Regionais, como o Amazônico que não teve muita coisa diferente desta edição do ENAJVHA. Seria inocência demais pensar que a devolutiva do ex-representante nacional finalizada com um vídeo entre ele e a atual, não tivesse nada haver com o que estava arquitetado.
“Faz escuro, mas eu canto[8]”. As palavras do poeta Thiago de Mello refletem sinais de esperança que em meio ao inverno brasilense, apresentava raios de sol. Não há dúvida na capacidade técnica e política de representantes do Ministério da Saúde e das agências da ONU, dentre outr@s parceir@s, assim como no compromisso destes/as no desenvolvimento integral de adolescentes e jovens, em especial, soropositiv@s. Cabe um agradecimento todo especial a estes/as facilitadores/as convidad@s para o evento, assim como d@s financiadores/as e de coordenações/programas estaduais e municipais de DST/AIDS que investiram mais uma vez na estrutura e deslocamento da maioria d@s presentes.
Questionava-se onde foi parar a missão e as prioridades norteadoras desta organização? E os objetivos, até que ponto foram referências? Parecia que não estávamos numa atividade de jovens, e tampouco da RNAJVHA. Querendo ou não, a juventude tem em si a inquietude pela mudança e isto moveu uma parte d@s participantes para uma ação em resposta ao que estava acontecendo. Então, outro caminho possível foi proposto entre o grupo que se opunha: não se resumir em espectador ou a eleições de representatividades cujo modelo fecha-se em si mesm@s, mas criar espaços de reflexão paralelos e que pudessem encaminhar coisas possíveis. Mais do que uma democracia representativa, buscavam uma democracia participativa, assim como aquela que motivou multidões há alguns dias atrás a saírem nas ruas.
Inicialmente, compartilhou-se um pouco da realidade de cada localidade. Não havia muito tempo, nem lugar “adequado”, mas tornamos os intervalos, oportunidades para o entrosamento e a troca de ideias e dos quartos nossos pontos de encontro. Permitíamo-nos escutar e compartilhar com @ outr@ nossas experiências e pontos de vista sobre uma determinada questão. Elaboramos uma carta à Comissão Organizadora e as parcerias deste evento para que pudéssemos explicar o motivo de nossa retirada do processo de votação. O documento foi lido compassadamente em plenária, finalizando com a saída de uma parte dos presentes no auditório. Deixamos o auditório e fomos a uma avaliação sobre este momento e a troca de ideias sobre como potencializar nossa atuação nas bases.
Propaga-se que nossa saída da eleição tenha sido motivada por percas de “cargo” ou medo. Não seria um tanto sem sentido entrar e sair “fugindo” da plenária, depois de ter feito várias reuniões para refletir e elencar os motivos reais de nossa retirada? Não teríamos deixado o encontro no momento em que a proposta para discutir a organização da Rede foi eliminada? Aliás, basta visitar o grupo da RNAJVHA no facebook para perceber qual o tipo de contribuições de algumas pessoas que permaneceram no auditório, para a grande maioria que se retirou. Observemos os perfis para perceber qual público estava somente pela parte e de quem estava afim de discutir o todo.
Concluímos o Encontro reafirmando nossas críticas pertinentes ao modelo pseudodemocrático com que a Rede vem se organizando nestes últimos anos e construindo forma que se afastam ainda mais da promoção da autonomia de jovens vivendo com HIV/AIDS nos Estados e municípios. Não nos desligamos da RNAJVHA por acreditarmos que este espaço também é nosso e que agora, mais do que nunca, a Rede precisa de nosso trabalho para retomar os trilhos do que inicialmente se propôs. E ainda que a nova representante nacional tenha sido eleita num contexto às avessas da Carta de Princípios, não nos fecharemos ao diálogo e possíveis parcerias, desde que pautado em valores, atitudes e comportamentos práticos.
O fato é que o sentimento de indignação que tomou conta das ruas, também envolveu divers@s participantes a lutar por algo muito maior que uma simples escolha de pessoas que poderão ou não representar o desejo deste coletivo. Ser comparados ou não a vândalos (mesmo não chegando a esse extremo), não é o problema. Aliás, a centralização de poder, da cooptação de pessoas e do aparelhamento da Rede para fins destoantes aos iniciais ainda permanecem enquanto principais problemas a serem combatidos dentro e fora desta Rede. É por este motivo que acreditamos ser pertinente continuar a se opor a esta forma de ativismo, ou resumido ao virtual, ora turístico.
Mais do que representatividades, defende-se uma democracia participativa, pautada na descentralização, transparência e horizontalidade. Entende-se também que a autonomia das bases e o protagonismo juvenil precisam ser de fato respeitados e reconhecidos na prática. Não estaremos fechad@s ao diálogo, por entender que este é uma importante ferramenta para se alcançar avanços possíveis e necessários, tanto para a RNAJVHA, quanto na articulação com outros grupos da sociedade civil e órgãos governamentais. Assim como não teremos nenhum problema em estabelecer possíveis parcerias, que colaborem para o desenvolvimento local, desde que sejam pautados por valores imprescindíveis para o fortalecimento desta Rede.
Como diria Betânia Ávila no VIII Fórum UNGASS AIDS – Brasil: “não há ativismo sem reflexão”. E esta avaliação crítica e fundamentada, não vem dissociada da ideia do bem viver, do bem conviver e do bem querer, mas se propõe justamente a despertar um cuidado sobre esta realidade silenciada, mas evidente. É numa época de mudanças, que buscamos outros caminhos possíveis, onde AMOR seja de fato o centro de todas as coisas!
Eduardo da Amazônia
Representante Estadual da RNAJVHA / Jovens + Pará
Contato: eduardopaidegua@hotmail.com
[1] Agradecimentos a Cleyton Aquino (PA), Diego Calisto (SP), Jeferson Fonseca (MG), Ozéias Cerqueira (SP), Rafaela Queiroz (RJ), Rodrigo Amorim (ES) e Welshe Shordok (MG) que estiveram durante o VI ENAJVHA e contribuíram para que este texto pudesse expressar verdadeiramente os fatos ocorridos, os sentimentos envolvidos e as perspectivas de uma Rede mais justa e solidária.
[2] Pessoas negativas para o HIV, mas que tem alguma relação seja afetivo-sexual ou social com alguém soropositiv@ ou com a causa da Aids.
[3] Confira em: http://jovenspositivos.org.br/videos/item/184-rede-de-jovens-soropositivos-abre-inscricoe-para-encontro-nacional (Acesso em 14 de julho de 2013).
[4] Idem.
[5] Confira em: http://jovenspositivos.org.br/articles/weblinks/carta-de-principios (Acesso em 14 de julho de 2013).
[6] Idem.
[7] Arte utilizada em campanha: http://migre.me/fwJkJ (Acesso em 18 de julho de 2013).
[8] Confira em: http://www.avozdapoesia.com.br/obras_ler.php?obra_id=12372&poeta_id=313 (Acesso em 18 de julho de 2013).
[2] Pessoas negativas para o HIV, mas que tem alguma relação seja afetivo-sexual ou social com alguém soropositiv@ ou com a causa da Aids.
[3] Confira em: http://jovenspositivos.org.br/videos/item/184-rede-de-jovens-soropositivos-abre-inscricoe-para-encontro-nacional (Acesso em 14 de julho de 2013).
[4] Idem.
[5] Confira em: http://jovenspositivos.org.br/articles/weblinks/carta-de-principios (Acesso em 14 de julho de 2013).
[6] Idem.
[7] Arte utilizada em campanha: http://migre.me/fwJkJ (Acesso em 18 de julho de 2013).
[8] Confira em: http://www.avozdapoesia.com.br/obras_ler.php?obra_id=12372&poeta_id=313 (Acesso em 18 de julho de 2013).
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