Carta aberta de Ruana Corrêa e Rapha Agostini ao Ministério da Saúde em decorrência da campanha de prevenção Aids do Carnaval 2013.
No
último trinta e um de janeiro o Ministério da Saúde lançou a Campanha Nacional
de Prevenção de DST/AIDS de carnaval. Foram camisas, bottons, e um vídeo a ser
veiculado em toda rede nacional de televisão e rádio. A mensagem desse ano? “A
vida é melhor sem Aids”.
Como se
já não bastasse a infeliz slogan da campanha - cujo principal objetivo deveria
ser atentar para a prevenção, sinalizando para a importância do uso do
preservativo - a propaganda mais amedronta aos telespectadores do que informa.
Não é difícil supor que ninguém irá fazer o teste, afinal quem quer saber que
está condenado? Como se o diagnóstico tardio já não fosse um problema bastante
sério no caso do nosso país...
É ponto
pacífico na literatura que versa sobre a temática, as campanhas de
conscientização devem sempre escolher a via da sensibilização em detrimento da
pedagogia do medo sob pena de fracassarem solenemente. Ademais, o crescente
número de novas infecções, parece ilustrar que é necessário superar a lógica de
amedrontamento em favor da discussão sobre vulnerabilidade.
Ora, é
evidente que as drogas usadas no controle do vírus podem causar uma série de
efeitos colaterais e que seria melhor não depender delas. Portanto, o ideal
seria investir na busca por medicamentos menos danosos ou até a tão sonhada
cura, ao invés de gastar dinheiro público promovendo a estigmatização de homens
e mulheres soropositivos. E por que não vemos isso?
Alertar
a população acerca dos riscos da AIDS é senso comum. Nos perguntamos: a que
custos isso deve ser feito? No Brasil quase um milhão de pessoas vivem com o
vírus HIV, ressuscitar esses estigmas que jurava-se superado, além de
apavorante nos deixa com a sensação de retrocesso, de ter voltado à década de
oitenta, quando os meios de comunicação anunciavam, impiedosamente: a AIDS
mata. Será isso o máximo que se pode esperar, em pleno século XXI, do programa
brasileiro de enfrentamento a AIDS, outrora já reconhecido como de referência
em todo o mundo?
Outra
consideração necessária: qual a necessidade de estampar no rosto do rapaz
soropositivo feições pesadas, de querer a todo custo demonstrar culpa e
arrependimento? Arrependimento do que? De ter transado? Tal lógica está a
serviço de um puritanismo inquisitorial que tenta a todo custo classificar o
sexo como pecado, como algo que deve ser evitado; uma lógica de puro desserviço.
Evidente
que se deve ser responsável pelos seus atos. Mas ser responsável é diferente de
ser culpado; há de se transcender a ideia de culpa, gestada, ao longo da
história, como forma de arrancar indulgência, de dobrar os fortes aos fracos,
os que dizem sim a vida aos que só são capazes de dizer não. Ao culpado só
resta à penitência, ao responsável fica a reflexão que impede outros erros.
Responsabilidade
é a habilidade de responder, de dar respostas àquilo que, apesar de não se
desejar se apresenta afinal ninguém sai pelo mundo em busca do vírus. Em algum
momento o vírus cruzou o caminho de homens e mulheres e, cada um por seus
motivos, acabaram infectados - isso sem falar das transmissões verticais.
Por
fim, se a preocupação é o tamanho do problema representado pela AIDS, uma
política de mais investimentos em um sistema de saúde realmente universal e
eficaz certamente resolveria; teríamos menores taxas de não - adesão, inovadoras
tecnologias de prevenção e campanhas publicitárias mais criativas e menos
medievais.
O
passado está posto; não há o que se fazer em relação a ele; há de se fazer em
relação ao tempo presente. E o presente exige que digamos sim a vida e não aos
estigmas.
07/02/2013
Ruana Corrêa e Rapha Agostini
Ciências Sociais/UFRJ
Ciências Sociais/UFRJ
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